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Quem milita na seara criminal sabe que não é incomum verificar o recurso à repetição ad nauseam como forma de convencimento

Na natureza, os papagaios usam o canto para se comunicar. Já quando estão em contato com o ser humano, compensam a falta de comunicação reproduzindo nossas palavras. Os papagaios não formam frases para se comunicar. Repetem o que aprenderam para conseguir o que desejam, como comida ou carinho.

Semelhante modus operandi é visto na persecução penal, pois certos agentes processuais simplesmente reproduzem palavras ditas por outros, em outras esferas da administração e sem exercer o seu importante múnus de forma criteriosa. Essas autoridades não desenvolvem apurações isentas e independentes, voltadas a reconstituição da verdade. Elas simplesmente repetem informações para conseguir, por exemplo, o deferimento de medidas cautelares e o recebimento de denúncias.

Quem milita na seara criminal sabe que não é incomum verificar o recurso à repetição ad nauseam como forma de convencimento, principalmente nas grandes operações, compostas por autos volumosos, que reúnem elementos obtidos fora do processo, advindos de diversas fontes.

Notadamente na seara da criminalidade econômica, constituída em sua maioria pelos chamados tipos penais em branco, via de regra a manifestação do Ministério Público repete a representação da Polícia, que, por sua vez, é uma repetição do relatório/ofício oriundo da Receita Federal, da CVM, ou de qualquer outro órgão da administração.

Ainda que seja natural e esperada certa repetição – afinal, achados de processos administrativos podem e devem instruir investigações criminais –, a prática revela que o recurso computacional ao “recorta e cola” tem substituído a análise acurada e cuidadosa que cada um desses órgãos haveria de realizar dentro das suas próprias competências. A busca pela confirmação da hipótese investigativa fica em segundo plano.

Relatórios inteiros são reproduzidos muitas vezes sem as aspas necessárias, peças processuais ficam enormes, enfadonhas, e acabam por (com)vencer pelo cansaço. Não são raras as decisões judiciais que fazem referência ao número de volumes ou de páginas do processo como fundamento, principalmente quando se pretende argumentar com a suposta gravidade e a complexidade dos fatos em apuração.

Assim, volume se transforma em substrato probatório. E não é por acaso. Atribui-se a Goebbels a famosa frase: “Uma mentira contada mil vezes, torna-se uma verdade.”

No Brasil de hoje, com a sociedade enviesada para o autoritarismo e o Judiciário assoberbado, a estratégia também tem se mostrado vencedora. Quando o investigado ou réu é surpreendido com a polícia na sua porta, às 05hs59min, e instado a se defender dos fatos em apuração, ele se vê na difícil tarefa de desconstruir “verdades” erigidas, muitas vezes, por mera repetição de informações de fora dos autos, não corroboradas por outros elementos coligidos nos próprios autos.

Muitas vezes, a amparar toda a sorte de medidas persecutórias, o que se tem encadernado aos autos do processo é mero relato sobre a prova obtida fora do processo, não a prova em si. Já vimos, por exemplo, relatório fiscal, encampado pela representação policial e resumido na manifestação ministerial, a ensejar decreto prisional com a utilização da expressão “adoto como razões de decidir…”.

Essa espécie de fundamentação per relationem ad infinitum malfere o nosso modelo constitucional, calcado na presunção de inocência, no contraditório e na imprescindibilidade de fundamentação das decisões judiciais.

Não é à toa que decisões mal fundamentadas sejam o principal motivo de concessão de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, segundo dados de estudo recém-divulgado pelo Observatório de Precedentes Penais em Parceria com o Instituto de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).[1]

Atenta ao tema, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça já assentou orientação no sentido de que não serve como fundamentação exclusivamente a remissão a manifestações de terceiros, exigindo-se complementações demonstradoras do efetivo exame dos autos. Referimo-nos ao EREsp 1.384.669/RS, julgado em 28/08/2019.[2]

Nessa linha, em decisão recentíssima, datada de 18 de maio de 2021, proferida nos autos do RHC 117.462, 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça assentou, de forma unânime, o entendimento de que o relatório policial e o parecer favorável do Ministério Público não constituem fundamentação idônea para a quebra de sigilos telefônico, fiscal e bancário.[3]

Mas não basta tratar da fundamentação das decisões judiciais e calar quanto ao trabalho dos outros órgãos de persecução penal. Com efeito, é preciso repensar a forma pouco criteriosa com que se conduzem as investigações voltadas a pré-constituir a prova penal.

É preciso que todos os agentes processuais, ao lançar mão da fundamentação per relationem, aduzam manifestações que, mais do que mera remissão a manifestação de terceiros, sejam fruto de raciocínio lógico próprio, corroborado por elementos encartados aos autos. Enfim, é preciso deixar a repetição para os papagaios.

Alexandre de Oliveira Ribeiro Filho, advogado criminalista, integrante do escritório Vilardi Advogados, especialista em direito penal econômico pela GVlaw e pelo IBCCrim; possui LLM em Direito Internacional e Justiça Criminal pela UEL – Londres

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Quem milita na seara criminal sabe que não é incomum verificar o recurso à repetição ad nauseam como forma de convencimento

Na natureza, os papagaios usam o canto para se comunicar. Já quando estão em contato com o ser humano, compensam a falta de comunicação reproduzindo nossas palavras. Os papagaios não formam frases para se comunicar. Repetem o que aprenderam para conseguir o que desejam, como comida ou carinho.

Semelhante modus operandi é visto na persecução penal, pois certos agentes processuais simplesmente reproduzem palavras ditas por outros, em outras esferas da administração e sem exercer o seu importante múnus de forma criteriosa. Essas autoridades não desenvolvem apurações isentas e independentes, voltadas a reconstituição da verdade. Elas simplesmente repetem informações para conseguir, por exemplo, o deferimento de medidas cautelares e o recebimento de denúncias.

Quem milita na seara criminal sabe que não é incomum verificar o recurso à repetição ad nauseam como forma de convencimento, principalmente nas grandes operações, compostas por autos volumosos, que reúnem elementos obtidos fora do processo, advindos de diversas fontes.

Notadamente na seara da criminalidade econômica, constituída em sua maioria pelos chamados tipos penais em branco, via de regra a manifestação do Ministério Público repete a representação da Polícia, que, por sua vez, é uma repetição do relatório/ofício oriundo da Receita Federal, da CVM, ou de qualquer outro órgão da administração.

Ainda que seja natural e esperada certa repetição – afinal, achados de processos administrativos podem e devem instruir investigações criminais –, a prática revela que o recurso computacional ao “recorta e cola” tem substituído a análise acurada e cuidadosa que cada um desses órgãos haveria de realizar dentro das suas próprias competências. A busca pela confirmação da hipótese investigativa fica em segundo plano.

Relatórios inteiros são reproduzidos muitas vezes sem as aspas necessárias, peças processuais ficam enormes, enfadonhas, e acabam por (com)vencer pelo cansaço. Não são raras as decisões judiciais que fazem referência ao número de volumes ou de páginas do processo como fundamento, principalmente quando se pretende argumentar com a suposta gravidade e a complexidade dos fatos em apuração.

Assim, volume se transforma em substrato probatório. E não é por acaso. Atribui-se a Goebbels a famosa frase: “Uma mentira contada mil vezes, torna-se uma verdade.”

No Brasil de hoje, com a sociedade enviesada para o autoritarismo e o Judiciário assoberbado, a estratégia também tem se mostrado vencedora. Quando o investigado ou réu é surpreendido com a polícia na sua porta, às 05hs59min, e instado a se defender dos fatos em apuração, ele se vê na difícil tarefa de desconstruir “verdades” erigidas, muitas vezes, por mera repetição de informações de fora dos autos, não corroboradas por outros elementos coligidos nos próprios autos.

Muitas vezes, a amparar toda a sorte de medidas persecutórias, o que se tem encadernado aos autos do processo é mero relato sobre a prova obtida fora do processo, não a prova em si. Já vimos, por exemplo, relatório fiscal, encampado pela representação policial e resumido na manifestação ministerial, a ensejar decreto prisional com a utilização da expressão “adoto como razões de decidir…”.

Essa espécie de fundamentação per relationem ad infinitum malfere o nosso modelo constitucional, calcado na presunção de inocência, no contraditório e na imprescindibilidade de fundamentação das decisões judiciais.

Não é à toa que decisões mal fundamentadas sejam o principal motivo de concessão de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, segundo dados de estudo recém-divulgado pelo Observatório de Precedentes Penais em Parceria com o Instituto de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).[1]

Atenta ao tema, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça já assentou orientação no sentido de que não serve como fundamentação exclusivamente a remissão a manifestações de terceiros, exigindo-se complementações demonstradoras do efetivo exame dos autos. Referimo-nos ao EREsp 1.384.669/RS, julgado em 28/08/2019.[2]

Nessa linha, em decisão recentíssima, datada de 18 de maio de 2021, proferida nos autos do RHC 117.462, 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça assentou, de forma unânime, o entendimento de que o relatório policial e o parecer favorável do Ministério Público não constituem fundamentação idônea para a quebra de sigilos telefônico, fiscal e bancário.[3]

Mas não basta tratar da fundamentação das decisões judiciais e calar quanto ao trabalho dos outros órgãos de persecução penal. Com efeito, é preciso repensar a forma pouco criteriosa com que se conduzem as investigações voltadas a pré-constituir a prova penal.

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