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"Preservai, juízes de amanhã, preservai vossas almas juvenis desses baixos e abomináveis sofismas. A ninguém importa mais que à magistratura fugir do medo, esquivar humilhações, e não conhecer a cobardia" (Rui Barbosa, "Oração aos Moços")

Faço neste ano 30 anos de formado. Não conheci, portanto, o Supremo Tribunal Federal sem o Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, que completa agora exatamente três décadas no Pretório Excelso. Num primeiro momento, tive uma certa desconfiança porque eu era um estudante esquerdista da PUC que antipatizava com o presidente Collor e me opunha a todos os seus atos, inclusive à sua indicação ao Supremo. O tempo, no entanto, me fez pagar a língua. O ministro faz parte da minha vida profissional, o que representa um grande privilégio, dado que o considero um dos melhores ministros da história da Corte.

Alguns o criticam pela importância dada à liturgia do cargo, sem se darem conta de que se trata de uma homenagem à importância do Supremo Tribunal ou, mais precisamente, uma forma que ele próprio adota para prestigiar e demonstrar seu respeito às altas funções da corte. Aliás, impressiona, também, o respeito que tem pelos advogados: sempre nos trata com lhaneza; está sempre atendo às sustentações, seja em audiências em seu gabinete, seja no plenário. Sem falar no habitual cumprimento antes das seções de julgamento, quando se apresenta pontualmente, demonstrando a consideração aos presentes e que o atraso não pode lhe ser atribuído.

Conhece-se um homem pelo que ele faz, e não pelo que ele diz. Falar, como diziam os antigos, é fácil. Difícil é agir, concretizar a palavra. Em suas entrevistas, o Ministro Marco Aurélio consagrou algumas expressões inesquecíveis: "paga-se um preço módico para viver no Estado democrático de Direito: o cumprimento da lei"; "deve-se guardar a Carta da República, doa a quem doer"; e "processo não tem capa". São expressões fáceis de serem ditas e, aliás, juízes, de forma geral, sem utilizar exatamente essas palavras, costumam defender esses mesmos ideais.

Nestes 30 anos de advocacia, aprendi, a duras penas, que na hora de julgar não é fácil verificar juízes aplicando na prática essas expressões bonitas. Infelizmente, a capa do processo muitas vezes é observada e de forma cada vez mais frequente alguns juízes preocupam-se com a repercussão do julgamento junto à sociedade, o que faz, em alguns casos, com que a lei e a Constituição não prevaleçam. Em 30 anos, com o Ministro Marco Aurélio, isso não ocorreu.

Processo para ele, realmente, nunca teve capa. Soltou e manteve presas centenas de pessoas, sem que nunca o nome do acusado fosse um fator importante. Nunca importou o estrondo que eventual soltura iria causar: houvesse direito, a liberdade estaria garantida. Quem não se lembra da correta decisão que proferiu no "caso Cacciola", pela qual foi cobrado por anos, porque concedeu liberdade provisória aplicando os estritos termos da lei e o acusado, depois da decisão, fugiu durante anos da Justiça.

Ao longo de sua carreira, prestigiou o Habeas Corpus, que está sendo ferido de morte em muitos tribunais do país. O volume de casos e o excesso de trabalho jamais foram impeditivos para desfazer uma injustiça e impedir a liberdade.

O processo não tinha capa e o estrondo que o julgamento poderia causar nunca intimidou o Ministro Marco Aurélio, doesse a quem doesse. No auge da polarização vivida no país, não se conformou que com o julgamento que reviu o posicionamento da corte em relação ao princípio da presunção de inocência. Não se conformou com a forma adotada (e que, realmente, era equivocada) e não sossegou até que o caso fosse revisto, por meio do julgamento das ações diretas de constitucionalidade, cujo resultado voltou a impedir a execução provisória da pena e a consagrar o princípio da presunção de inocência, inscrito na Constituição Federal. Desagradou boa parte da população brasileira, mas cumpriu sua palavra ao defender a Carta Política da República. O garantismo, para ele, não é e nunca foi uma teoria a ser estudada ou debatida, mas um conjunto de normas previstas na Constituição que devem ser cumpridas, e não alteradas pelo Judiciário, mesmo que desagradando a alguns.

E para quem age assim, pouco importa ser vencido. Com a experiência de quem já viu que o confronto de ideias só engrandece o tribunal, foi contramajoritário inúmeras vezes, sem se melindrar por isso. E mais: já teve a oportunidade de verificar seu posicionamento vencido triunfar tempos depois, pois, como disse outro gigante do Supremo, o Ministro Celso de Mello, a discordância muitas vezes é "a semente de grandes transformações".

Com essas atitudes, demonstrou, na prática, que é realmente módico o preço pago para se viver num Estado democrático de Direito. E que, principalmente, é possível respeitar a Constituição e as leis fazendo Justiça, sem perder o humanismo e o senso de justiça. Foi assim, no julgamento dos fetos anencéfalos, um dos mais importantes casos relatados pelo Ministro Marco Aurélio, em que, após proferir uma verdadeira aula sobre o Estado laico, fez constar um dos pilares que sustentaram seu voto e, ao mesmo tempo, o definem: "O sofrimento dessas mulheres pode ser tão grande que estudiosos do tema classificam como tortura o ato estatal de compelir a mulher a prosseguir na gravidez de feto anencéfalo". Essa frase basta para explicar o resultado do julgamento.

Ainda neste julgamento, outra frase, esta inspirada em Padre Vieira, que foi utilizada para sustentar sua posição, mas na realidade define seu próprio modo de ser: "O tempo e as coisas não param. Os avanços alcançados pela sociedade são progressivos. Inconcebível, no campo do pensar, é a estagnação. Inconcebível é o misoneísmo, ou seja, a aversão, sem justificativa, ao que é novo”.

É triste pensar na sua aposentadoria no ano vindouro. Passados 30 anos, ainda é muito cedo para isso. E é cedo porque ele seguiu Rui Barbosa e preservou sua alma juvenil. Não teve medo, respeitou a todos e jamais foi covarde. Após 30 anos, apenas uma palavra: obrigado!

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"Preservai, juízes de amanhã, preservai vossas almas juvenis desses baixos e abomináveis sofismas. A ninguém importa mais que à magistratura fugir do medo, esquivar humilhações, e não conhecer a cobardia" (Rui Barbosa, "Oração aos Moços")

Faço neste ano 30 anos de formado. Não conheci, portanto, o Supremo Tribunal Federal sem o Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, que completa agora exatamente três décadas no Pretório Excelso. Num primeiro momento, tive uma certa desconfiança porque eu era um estudante esquerdista da PUC que antipatizava com o presidente Collor e me opunha a todos os seus atos, inclusive à sua indicação ao Supremo. O tempo, no entanto, me fez pagar a língua. O ministro faz parte da minha vida profissional, o que representa um grande privilégio, dado que o considero um dos melhores ministros da história da Corte.

Alguns o criticam pela importância dada à liturgia do cargo, sem se darem conta de que se trata de uma homenagem à importância do Supremo Tribunal ou, mais precisamente, uma forma que ele próprio adota para prestigiar e demonstrar seu respeito às altas funções da corte. Aliás, impressiona, também, o respeito que tem pelos advogados: sempre nos trata com lhaneza; está sempre atendo às sustentações, seja em audiências em seu gabinete, seja no plenário. Sem falar no habitual cumprimento antes das seções de julgamento, quando se apresenta pontualmente, demonstrando a consideração aos presentes e que o atraso não pode lhe ser atribuído.

Conhece-se um homem pelo que ele faz, e não pelo que ele diz. Falar, como diziam os antigos, é fácil. Difícil é agir, concretizar a palavra. Em suas entrevistas, o Ministro Marco Aurélio consagrou algumas expressões inesquecíveis: "paga-se um preço módico para viver no Estado democrático de Direito: o cumprimento da lei"; "deve-se guardar a Carta da República, doa a quem doer"; e "processo não tem capa". São expressões fáceis de serem ditas e, aliás, juízes, de forma geral, sem utilizar exatamente essas palavras, costumam defender esses mesmos ideais.

Nestes 30 anos de advocacia, aprendi, a duras penas, que na hora de julgar não é fácil verificar juízes aplicando na prática essas expressões bonitas. Infelizmente, a capa do processo muitas vezes é observada e de forma cada vez mais frequente alguns juízes preocupam-se com a repercussão do julgamento junto à sociedade, o que faz, em alguns casos, com que a lei e a Constituição não prevaleçam. Em 30 anos, com o Ministro Marco Aurélio, isso não ocorreu.

Processo para ele, realmente, nunca teve capa. Soltou e manteve presas centenas de pessoas, sem que nunca o nome do acusado fosse um fator importante. Nunca importou o estrondo que eventual soltura iria causar: houvesse direito, a liberdade estaria garantida. Quem não se lembra da correta decisão que proferiu no "caso Cacciola", pela qual foi cobrado por anos, porque concedeu liberdade provisória aplicando os estritos termos da lei e o acusado, depois da decisão, fugiu durante anos da Justiça.

Ao longo de sua carreira, prestigiou o Habeas Corpus, que está sendo ferido de morte em muitos tribunais do país. O volume de casos e o excesso de trabalho jamais foram impeditivos para desfazer uma injustiça e impedir a liberdade.

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E para quem age assim, pouco importa ser vencido. Com a experiência de quem já viu que o confronto de ideias só engrandece o tribunal, foi contramajoritário inúmeras vezes, sem se melindrar por isso. E mais: já teve a oportunidade de verificar seu posicionamento vencido triunfar tempos depois, pois, como disse outro gigante do Supremo, o Ministro Celso de Mello, a discordância muitas vezes é "a semente de grandes transformações".

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