Publicações

A operação “lava jato”, é inegável, significou uma mudança radical na forma de funcionamento da Justiça criminal brasileira. O tratamento menos leniente com os investigados, o recurso recorrente à prisão preventiva e o amplo uso da delação premiada talvez sejam suas características mais marcantes.

Numa sociedade desgastada pela corrupção, tamanho foi o apoio popular angariado que a operação ganhou status próprio, personalidade que compreende numa só pessoa a figura da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do juiz federal.

Os poucos revezes sofridos pela força-tarefa do Ministério Público Federal, os recursos providos contra decisões do então juiz federal Sergio Moro e, agora mais recentemente, o escândalo da divulgação das mensagens trocadas entre eles — acusação e juiz — são expostos como ataques à própria “lava jato” enquanto “instituição”. O que fere a “lava jato” fere o Brasil, diziam e dizem os obstinados, incapazes de reconhecer sua própria falibilidade.

Ao ser indagado sobre as mensagens atribuídas a Moro e a procuradores, o relator da “lava jato” no Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Edson Fachin, demonstrando alinhamento ideológico com Curitiba, afirmou à imprensa que essa “circunstância conjuntural” não prejudicará o andamento dos processos relacionados à operação. Disse, ainda, ter plena confiança de que não haverá “qualquer retrocesso”, na medida em que a “lava jato” resultou em “um novo padrão normativo, jurídico e também de natureza ética ao Brasil e à administração pública”[1].

Pois bem.

Como, por força do princípio da legalidade, insculpido no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, somente a lei em sentido estrito, isto é, espécie normativa produzida de forma democrática pelo Poder Legislativo, pode dispor a respeito e eventualmente alterar os direitos penal e processual penal, o tal “novo padrão” referido pelo eminente ministro só pode, então, estar adstrito ao campo ético. O que não é pouco.

Vejamos alguns exemplos práticos:

Colhe-se desse “novo padrão normativo” que pouco importaria a forma de obtenção de provas, se legítima ou ilegítima, o que importa mesmo é o resultado (bom uso que se fará da prova para o bem comum). Ética utilitarista explicada pelo próprio juiz federal, hoje ministro da Justiça, Sergio Moro, ao jornalista Pedro Bial, por ocasião da divulgação de áudio da conversa telefônica ilegalmente interceptada entre Dilma e Lula: “o problema ali não era a captação do diálogo e a divulgação do diálogo, o problema era o diálogo em si, o conteúdo do diálogo, que ali era uma ação visando burlar a Justiça, e esse era o ponto”[2].

Perfilhado, o procurador da República Deltan Dallagnol patrocinou ampla campanha em favor do pacote legislativo apelidado de “dez medidas contra a corrupção”, com o que apoiou, incondicionalmente, a utilização de provas obtidas por meios ilícitos, desde que de boa-fé, para atender ao interesse público.

Advém desse “novo padrão normativo”, também, o entendimento de que as mais diversas ações podem ensejar obstrução da Justiça. Sua excelência, o então juiz, hoje ministro da Justiça, negou pedido de liberdade e fundamentou prisão preventiva requerida pela Procuradoria da República porque a imprensa divulgou, à época, “que emissários das empreiteiras e dos acusados… estiveram em encontros com o Ministro da Justiça para tratar da Operação Lava Jato e das prisões preventivas” — o que, no seu entender, seria “intolerável… total desvirtuamento do devido processo legal… com risco à integridade da Justiça e à aplicação da lei penal”[3].

Ainda, o “novo padrão normativo” impõe a toda e qualquer pessoa que possa vir a ser investigada que se abstenha de inutilizar documentos e/ou deletar mensagens e e-mails, uma vez que isso caracteriza destruição de provas e dá ensejo à prisão preventiva. Vejamos o que disse o juiz federal ao decretar a prisão preventiva de conhecido publicitário: “A conduta tomada por João Santana, de, em cognição sumária, promover a eliminação de arquivos eletrônicos, ou seja, destruir provas, indica risco à investigação ou à instrução caso seja colocado em liberdade”.

Não podemos olvidar, por fim, dos criativos nomes dados às fases da operação “lava jato”, os quais também compõem a narrativa de que se busca passar o país a limpo. Dentre os quais, vale lembrar aquele atribuído à 14ª fase: operação erga omnes. Com efeito, ao atribuir-se tal epíteto, procurou-se demonstrar à opinião pública que ninguém está acima da lei. Restrição da liberdade de pessoas específicas, sem culpa formada, a título de exemplo e para além das hipóteses previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Enfim, são imperativos como esses que compõem o tal “novo padrão normativo” instituído pela “lava jato”, cujos efeitos deveriam ser opostos erga omnes.

Pelas respostas apresentadas até aqui, leitor, no caso das condutas reveladas pelas mensagens, a régua não será a mesma. O que, perceba bem, não é ruim. No entanto, entrará em campo o corporativismo, malferindo de morte a pretensa idoneidade da operação.

Impossível, por ora, prever todas as consequências. Espera-se, entretanto, que os direitos e as garantias dos envolvidos de agora sejam respeitados. Espera-se o mesmo, como condição mínima de dignidade, para aqueles processados e julgados no contexto das mensagens ora expostas pela mídia.

A advocacia, por vezes tão desrespeitada, está a postos, como, aliás, sempre esteve, para de forma intimorata lutar pela observância do único padrão normativo admitido no Estado de Direito Democrático, o padrão constitucional.

PUBLICADO NA CONJUR

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A operação “lava jato”, é inegável, significou uma mudança radical na forma de funcionamento da Justiça criminal brasileira. O tratamento menos leniente com os investigados, o recurso recorrente à prisão preventiva e o amplo uso da delação premiada talvez sejam suas características mais marcantes.

Numa sociedade desgastada pela corrupção, tamanho foi o apoio popular angariado que a operação ganhou status próprio, personalidade que compreende numa só pessoa a figura da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do juiz federal.

Os poucos revezes sofridos pela força-tarefa do Ministério Público Federal, os recursos providos contra decisões do então juiz federal Sergio Moro e, agora mais recentemente, o escândalo da divulgação das mensagens trocadas entre eles — acusação e juiz — são expostos como ataques à própria “lava jato” enquanto “instituição”. O que fere a “lava jato” fere o Brasil, diziam e dizem os obstinados, incapazes de reconhecer sua própria falibilidade.

Ao ser indagado sobre as mensagens atribuídas a Moro e a procuradores, o relator da “lava jato” no Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Edson Fachin, demonstrando alinhamento ideológico com Curitiba, afirmou à imprensa que essa “circunstância conjuntural” não prejudicará o andamento dos processos relacionados à operação. Disse, ainda, ter plena confiança de que não haverá “qualquer retrocesso”, na medida em que a “lava jato” resultou em “um novo padrão normativo, jurídico e também de natureza ética ao Brasil e à administração pública”[1].

Pois bem.

Como, por força do princípio da legalidade, insculpido no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, somente a lei em sentido estrito, isto é, espécie normativa produzida de forma democrática pelo Poder Legislativo, pode dispor a respeito e eventualmente alterar os direitos penal e processual penal, o tal “novo padrão” referido pelo eminente ministro só pode, então, estar adstrito ao campo ético. O que não é pouco.

Vejamos alguns exemplos práticos:

Colhe-se desse “novo padrão normativo” que pouco importaria a forma de obtenção de provas, se legítima ou ilegítima, o que importa mesmo é o resultado (bom uso que se fará da prova para o bem comum). Ética utilitarista explicada pelo próprio juiz federal, hoje ministro da Justiça, Sergio Moro, ao jornalista Pedro Bial, por ocasião da divulgação de áudio da conversa telefônica ilegalmente interceptada entre Dilma e Lula: “o problema ali não era a captação do diálogo e a divulgação do diálogo, o problema era o diálogo em si, o conteúdo do diálogo, que ali era uma ação visando burlar a Justiça, e esse era o ponto”[2].

Perfilhado, o procurador da República Deltan Dallagnol patrocinou ampla campanha em favor do pacote legislativo apelidado de “dez medidas contra a corrupção”, com o que apoiou, incondicionalmente, a utilização de provas obtidas por meios ilícitos, desde que de boa-fé, para atender ao interesse público.

Advém desse “novo padrão normativo”, também, o entendimento de que as mais diversas ações podem ensejar obstrução da Justiça. Sua excelência, o então juiz, hoje ministro da Justiça, negou pedido de liberdade e fundamentou prisão preventiva requerida pela Procuradoria da República porque a imprensa divulgou, à época, “que emissários das empreiteiras e dos acusados… estiveram em encontros com o Ministro da Justiça para tratar da Operação Lava Jato e das prisões preventivas” — o que, no seu entender, seria “intolerável… total desvirtuamento do devido processo legal… com risco à integridade da Justiça e à aplicação da lei penal”[3].

Ainda, o “novo padrão normativo” impõe a toda e qualquer pessoa que possa vir a ser investigada que se abstenha de inutilizar documentos e/ou deletar mensagens e e-mails, uma vez que isso caracteriza destruição de provas e dá ensejo à prisão preventiva. Vejamos o que disse o juiz federal ao decretar a prisão preventiva de conhecido publicitário: “A conduta tomada por João Santana, de, em cognição sumária, promover a eliminação de arquivos eletrônicos, ou seja, destruir provas, indica risco à investigação ou à instrução caso seja colocado em liberdade”.

Não podemos olvidar, por fim, dos criativos nomes dados às fases da operação “lava jato”, os quais também compõem a narrativa de que se busca passar o país a limpo. Dentre os quais, vale lembrar aquele atribuído à 14ª fase: operação erga omnes. Com efeito, ao atribuir-se tal epíteto, procurou-se demonstrar à opinião pública que ninguém está acima da lei. Restrição da liberdade de pessoas específicas, sem culpa formada, a título de exemplo e para além das hipóteses previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal.

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