No texto, afirmam que a Petrobras “sofreu danos econômicos severos, ilustrados pelo pagamento de propinas milionárias a antigos dirigentes e pelo superfaturamento bilionário de obras” e defenderam a necessidade de “incremento da justiça penal” com a atribuição de eficácia imediata da sentença do juiz, nos casos de crimes “graves em concreto”, como grandes desvios de dinheiro público.
Não se discute a ocorrência de fatos graves na Petrobras, mas a afirmação taxativa do juiz do caso sobre o processo, antes da sentença, é inadmissível. Qualquer cidadão pode antecipar um juízo de valor sobre os fatos públicos que envolvem a Petrobras. O juiz do caso, não!
Além dos comentários sobre o caso em andamento, a proposta dos juízes significa que o acusado, ao ser condenado pelo juiz de primeiro grau, deve ir direto para a cadeia, ainda que possa apelar da sentença e vir a ser absolvido ou ter a pena mitigada. Com tal medida, os magistrados acreditam que vão contribuir para a solução da corrupção.
A proposta causa assombro quando se verifica que dois juízes pugnam pela flexibilização de uma cláusula pétrea inscrita na Constituição e que, como eles bem sabem, foi objeto de apreciação pelo pleno do STF, quando ficou assentado que o princípio da presunção de inocência garante que os acusados aguardem em liberdade o julgamento final.
A discussão é antiga. O Código de Processo Penal, de 1941, não permitia, como regra, a apelação em liberdade. Em plena ditadura militar a regra foi abrandada. A antiga Lei do Crime Organizado já previa a impossibilidade de se apelar em liberdade. Foi revogada pela nova lei que define a organização criminosa.
Não parece que o combate à corrupção e a outros crimes de igual ou maior gravidade deva servir como mote para abandonarmos conquistas caras não só à democracia, mas ao processo civilizatório ocidental.
Muitos utilizam o exemplo do modelo americano, no qual, julgado em primeira instância, o acusado vai para a cadeia. Ocorre que lá a maioria dos casos termina em acordo. Além disso, quando o caso prossegue, a pessoa é julgada pelo júri, isto é, um órgão colegiado.
Aqui, o réu é julgado por um juiz apenas, que pode ser muito bom ou, ao contrário, arbitrário. Não há, por outro lado, um trabalho empírico demonstrando em que proporção as sentenças de primeiro grau são reformadas, mas, a julgar pela nossa experiência, ela não é pequena.
O recrudescimento do sistema penal não implica diminuição da criminalidade. Parece óbvio que os empresários e os diretores da Petrobras envolvidos na Operação Lava Jato tinham os olhos postos em coisas distantes do “sistema punitivo”.
Há, na verdade, uma crise de valores combinada com mecanismos que permitem a corrupção, como a estrutura política que envolve a estatal. Se não buscarmos uma solução para a crise e sem mexer profundamente na estrutura que possibilita esse tipo de “negócio”, o recrudescimento do sistema penal pouco ou nada alterará o fenômeno da corrupção.
Antes da Lava Jato tivemos o julgamento do mensalão, que redundou em condenações e prisões. Em um passado não tão remoto tivemos outras operações com empresários presos e isso não funcionou como elemento dissuasório.
Além disso, em relação aos chamados crimes hediondos, houve incremento do sistema punitivo com o aumento de penas, inviabilização da liberdade provisória nos casos de flagrante e a exigência do cumprimento integral da pena em regime fechado, que só muito tempo depois o STF veio a declarar a inconstitucionalidade, e não funcionou.
Os índices de criminalidade não caíram a despeito do “incremento” do sistema penal. Agora, ilusoriamente, quer-se adotar fórmula assemelhada para se debelar a crise que não é nova.
Afora a questão da constitucionalidade, sem estudos consistentes sobre a eficácia do aprisionamento precoce, a eficácia das apelações e sobre a própria criminalidade, vamos ter uma espécie de modelo-álibi destinado a tranquilizar a opinião pública momentaneamente com um pesado ônus sobre acusados que se presumem inocentes.
Alberto Zacharias Toron, 56, professor da Faculdade de Direito da Faap, é advogado de Ricardo Pessoa, presidente da UTC Engenharia.
Celso Sanchez Vilardi, 47, professor da FGV Direito SP, é advogado de João Auler, presidente do conselho de administração da Camargo Corrêa.
Publicado na Folha de São Paulo, seção Opinião.