PARA JUSTIFICAR uma posição favorável à chamada prisão especial, convém explicar quais as espécies de prisão existentes no sistema legal brasileiro. O sistema processual contempla, basicamente, duas modalidades de prisão: a cautelar ou provisória e a decorrente de sentença penal condenatória. A cautelar é aplicada antes de a condenação transitar em julgado, ou seja, enquanto o Poder Judiciário não se manifesta definitivamente sobre a inocência ou a culpa do acusado. No Brasil, por força constitucional, só se considera culpado o condenado por sentença definitiva.
Assim, o legislador permite que, em circunstâncias excepcionais, o acusado de cometer um crime fique na prisão antes da definição a respeito de sua inocência. Para tanto, a liberdade do acusado deve representar um perigo concreto para a sociedade ou para o processo. Prende-se cautelarmente, por exemplo, uma pessoa que, solta, provavelmente irá reincidir na conduta criminosa ou ameaçar uma testemunha, colocando em risco o processo. A liberdade, antes da sentença final, é regra, podendo ser afastada com base em fatos concretos.
Essa explicação mostra-se necessária, até para que se entenda o motivo pelo qual nossos tribunais, reiteradamente, soltam acusados presos provisoriamente: geralmente não há motivo concreto que justifique a exceção. Cabe esclarecer que a prisão especial é de natureza cautelar, ou seja, aplica-se tão-somente a acusados. Trata-se de instituto consagrado desde 1937, sendo que já em 1841 o legislador recomendava a segregação dos presos antes da culpa formada e a classificação deles “por sexos, idades, moralidade e condições”. Como dizia Assis Toledo, “é tradição do direito brasileiro e tem sua justificativa e razão de ser nos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana”.
Costuma-se dizer que tal prisão consagra um privilégio descabido e que afronta a disposição constitucional, segundo a qual todos são iguais perante a lei. É verdade que todos são iguais, mas também é certo que mesmo os iguais têm históricos de vida diversos, máxime em função de seus caminhos profissionais, o que justifica o direito à distinção. Possuem esse direito magistrados, promotores, advogados, professores, policiais, dentre outros. Ou será razoável que um juiz, antes de ser condenado definitivamente, seja obrigado a conviver com criminosos eventualmente por ele condenados?
Critica-se, ainda, o fenômeno por ser ele exclusivamente brasileiro. Esquecem-se, os que se valem dessa tese, que também são excepcionais as condições do cruel sistema carcerário brasileiro: inúmeros presos numa mesma cela, em condições insalubres, com revezamento para dormir por falta de espaço, descumprindo todos os mandamentos contidos na lei de execução penal.
Em tempos de operações espetaculares, esse debate retorna, diante da indisfarçável vontade de aplicar a presunção de culpa, antes mesmo de começar o processo, já que os presos são filmados e fotografados com algemas, como se todos fossem facínoras e culpados.
Lembre-se que a prisão especial não é tão especial assim. Hoje, no Brasil, cinge-se a um “local distinto da prisão comum”. Não temos locais distintos; trata-se, pois, de cela separada dos demais presos, mas sempre em condições insalubres e desumanas. Enfim, não a considero um privilégio, seguindo os grandes juristas brasileiros (Espínola Filho, Basileu Garcia, Francisco de Assis Toledo, Tourinho Filho), mas uma medida justificada e razoável.
O melhor seria uma campanha para melhorar as condições das prisões, a fim de recuperar os presos. Infelizmente, tal pretensão causa verdadeira repulsa em parte da sociedade, que entende ser um absurdo gastar dinheiro com quem viola as leis (ou com os acusados de violá-las), esquecendo-se que, mais cedo ou mais tarde, voltarão ao convívio social, mais perigosos, mais revoltados e aptos a cometer delitos piores do que aqueles que os levaram ao cárcere.
Celso Sanchez Vilardi , advogado criminalista, é mestre em direito processual penal pela PUC-SP, coordenador e professor do curso de especialização em direito penal econômico da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (GVlaw).