O pior é que, lamentavelmente, essa humilhação não cessará. Tal certeza está intimamente ligada à reação das autoridades responsáveis pela segurança pública do país. O discurso, desgraçadamente, é o mesmo que já ouvimos em outras ocasiões, quando a baderna generalizada atingia São Paulo. Do Congresso, os eternos oportunistas de plantão reúnem-se para votar leis “mais duras”; a novidade é que, agora, esse discurso partiu do presidente da República.
Como sempre, os políticos e autoridades não se prestam a pensar em soluções verdadeiras. Preferem o discurso fácil e demagogo que, infelizmente, agrada à maioria de nossa população. Até o chavão é o mesmo: “tolerância zero”, ou melhor, “plano tolerância zero”: aumento de penas, novos crimes e “diminuição de privilégios” concedidos aos condenados. Há 20 anos tem sido assim, e o pior é que, com essas providências, tudo isto irá se repetir nos próximos 20 anos.
Enfrentar o crime organizado e a desorganização carcerária é trabalhoso e não se resolve com entrevistas das autoridades, nem com medidas “mais duras”. Implica a criação de um plano de política criminal, na elaboração de estratégias de combate ao crime organizado, na alocação de recursos para esse combate, na construção de novos presídios e na criação de um plano que objetive acabar com as escolas de criminalidade em que os presídios se transformaram, sem falar nas óbvias providências ligadas a educação, trabalho, investimentos sociais, etc.
A Sociologia nos ensina que a lei é apenas um dos mecanismos de controle social, ao lado da educação, da religião, da moral, das condições mínimas de cidadania, dentre outras. Isoladamente jamais irá solucionar o problema. Falar, agora, em melhoria das condições carcerárias, com alternativas inteligentes para pôr fim à verdadeira fábrica de bandidos é ser acusado de defender “direitos humanos dos bandidos”, como se os direitos humanos (sim, do ser humano) pudessem ser divididos em categorias.
Não há – nem nunca houve – uma verdadeira política criminal que objetive reduzir a criminalidade. Apesar de a violência ser uma das principais preocupações da sociedade, os governos não possuem uma estratégia para tratar o problema nos próximos cinco anos. Vivemos do improviso, do discurso fácil, da mais completa ignorância sobre o tema.
Também não há – e também nunca houve – uma atuação conjunta das polícias federal e estaduais que objetive golpear o tráfico de entorpecentes, o contrabando de armas e o crime organizado.
A polícia federal, sob a falsa premissa de que o tráfico de entorpecentes é de competência estadual (como se o abastecimento não se desse por meio do tráfico internacional), delega o combate às polícias estaduais, limitando-se, na grande maioria das vezes, a prender traficantes em aeroportos. Enquanto isso, os federais ocupam-se com invasões a empresas, com o objetivo de combater a sonegação fiscal, a evasão de divisas, a corrupção. Em outras palavras, a prioridade tem sido proteger o erário. Realmente, é bem mais fácil invadir a Daslu do que combater o tráfico e o crime organizado, rendendo o PCC.
A proteção ao erário, o combate à sonegação e à corrupção, são medidas fundamentais, mas não podem se apresentar como únicas prioridades, deixando que fiquem de lado o PCC, o Comando Vermelho e o Terceiro Comando. Precisamos, na verdade, de efetivo combate a essas organizações criminosas.
É cediço o fato de a Polícia Federal possuir um verdadeiro aparato para escutar conversas telefônicas, sendo assustador que só depois da crise instalada em São Paulo tais aparelhos tenham sido colocados à disposição da Policia Estadual para ouvir os planos dos criminosos. Aguardamos, pois, a “operação PCC”, a “operação Comando Vermelho”, acompanhadas da efetiva apresentação de um plano de combate à criminalidade, que passe bem longe da isolada elaboração de leis.
Necessitamos, enfim, da análise fria dos acontecimentos seguida de uma estratégia inteligente, de verbas que possibilitem uma profunda investigação sobre o crime organizado. Como tudo isto é sabido e nunca foi sequer considerado, é possível afirmar que, realmente, o pior está por vir.
Celso Sanchez Vilardi é advogado criminalista, mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica; coordenador e professor do Curso de Especialização em Direito Penal Econômico da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (GV/Law).